sábado, 16 de outubro de 2010

Um ‘abecedário’ diferente

Diogo Leão
Fotos Sabrina Assumpção
 Alunos do Centro de Produção Jornalística, CPJ




“O Brazil nunca foi ao Brasil”, teorizava o poeta Aldyr Blanc, no samba “Querelas do Brasil”, eternizado na voz de Elis Regina, citando palavras como pererê, jabuti, tapir, jereba, ariranha... entre outras palavras que um Brazil com “z”, de hot dogs e downloads, insiste em desconhecer. Segundo Aldyr, o “Brazil tá matando o Brasil”. Não, se depender de alguns dos mais de 1500 verbetes do “Abecedário da Religiosidade Popular, Vida e religião dos pobres”, segundo Franciscus Henricus van der Poel. Quem? Frei Chico, um frade holandês com quase 50 anos de Brasil.

Ele, que é um dos autores do clássico “Beira-Mar”, gravado até por Milton Nascimento e pela dupla Pena Branca & Xavantinho, é coautor da obra junto com Lélia Coelho Frota, que está em ponto de bala, depois de mais de 15 anos de preparação.

O livro reúne elementos necessários para a compreensão da cultura popular, especialmente da cultura afro-brasileira, focada principalmente na região do Vale do Jequitinhonha. Nele aparecem elementos tanto religiosos quanto do dia a dia do povo — desde comidas e remédios até armas. Cada letra do alfabeto é introduzida com um desenho de Maria Lira Marques, musicista e artesã do Jequitinhonha.

O ‘Abecedário’ está destinado a artistas, jornalistas, educadores, professores, pesquisadores das áreas de ciências sociais e humanas, religiosos, e todos que desejam refletir sobre a vida e a fé dos pobres. Segundo Frei Chico, “infelizmente é comum a opinião de que a alfabetização, a organização do trabalho, a democratização da sociedade podem ser resolvidos sem a cultura. E a religiosidade popular é cultura”.

Desde a juventude, ainda na Holanda, Frei Chico sempre teve interesse pela cultura do Brasil — ele conta que ouvia muita música brasileira por lá. “Lembro-me de ter lido ‘Os Sertões’, de Euclides da Cunha, em holandês. O tradutor pedia desculpas por não conseguir traduzir algumas finezas do vocabulário popular”, conta o frade. Mais tarde, em Araçuaí, uma das cidades mais importantes do Vale do Jequitinhonha, Frei Chico teve profundo contato com a cultura popular, em diversos patamares — do artesanato à música, passando pela dança e culinária. Adicionado a sérios estudos, este contato o capacitou à elaboração da obra. O Brazil com “z” tem, agora, uma chance bem maior de conhecer o Brasil.

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