sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Essa ainda é a Voz do Brasil?

Um dos programas mais antigos do rádio brasileiro, “A Voz do Brasil” tenta algumas mudanças para fugir do anacronismo de sua imagem


Diogo Leão – aluno da Central de Produção Jornalística (CPJ)

No dia 25 de setembro celebra-se o Dia do Rádio. A Voz do Brasil, no ar há mais de 70 anos, é um dos programas de rádio mais antigos e mais conhecidos do Brasil. Trata-se de um programa de transmissão obrigatória — em horário nobre — em todas as transmissoras de rádio brasileiras, com informações sobre o governo federal. O programa, que teve origem em 1935, com o objetivo de informar à população a respeito das realizações do governo federal, foi utilizado amplamente durante as ditaduras Vargas e militar. A transmissão do programa, sempre às 19h, para todas as emissora de rádio do país, é obrigatória até hoje.

“A questão de ser obrigatório, por si só é um problema. Na televisão não vemos este caráter compulsório para garantir audiência, sabemos que o rádio é um meio de comunicação mais barato, mais popular, que atinge áreas que a televisão não. Este nível de obrigatoriedade é contraditório para a democracia”, diz o professor Rodney Souza Pereira, cientista político do Centro Universitário Newton Paiva. “O Vargas criou isso com um propósito muito claro, falar bem dele, e gerar uma imagem positiva dele mesmo para a população brasileira”, completa o professor.

Conforme o próprio site da EBC – Empresa Brasil de Comunicação, a qual se encarrega de parte da produção de A Voz do Brasil (http://www.ebcservicos.ebc.com.br), o programa, criado no Estado Novo, teve um papel central de propaganda positiva da ditadura Vargas e de outros governos. A Voz do Brasil ainda é fonte de informação de certa parcela da população. No entanto, a partir de 1985, com o fim da ditadura militar, cada vez mais aparelhos de rádios passaram a ficar desligados durante a transmissão do programa.

Reformulações

Em 1998, o programa foi reformulado, com a colocação de novas vinhetas e até mesmo com a contratação de uma apresentadora para ajudar na locução dando ao programa uma nova identidade sonora. Já em 2003, o programa passou por uma reforma editorial mais profunda. O tradicional “Em Brasília 19 horas” foi substituído por “7 da noite, em Brasília”. A parte do programa de interesse do poder executivo adquiriu um enfoque mais jornalístico e abriu os microfones para a população perguntar, avaliar e comentar os projetos do governo abordados no programa. No entanto, mesmo remixado ao ritmo de forró, samba, choro, bossa-nova, capoeira, moda de viola e até techno, “O Guarani”, de Carlos Gomes continua na abertura do informativo.

O professor Elias Santos, diretor executivo da rádio da UFMG ligado à EBC e que também leciona matérias ligadas a radio e TV tanto na UFMG quanto na Newton Paiva, afirma que não vê “A Voz do Brasil como intuito da ditadura”. Segundo o professor, “Getúlio Vargas foi fundamental para o rádio, ele liberou a publicidade no veículo e assim o rádio pôde crescer no Brasil, passando de amador à profissional”. Ele alerta que as mudanças dos últimos anos foram significativas e conta que “já houve até críticas ao governo no programa”. Hoje, o governo conta com a TV Senado e TV Câmera para divulgar suas ações, mas, lembra Elias, “os senadores e deputados não largam o osso. Eles não largam o rádio. Há lugares na região metropolitana de Belo Horizonte onde só pega rádio, e televisão só com parabólica. É muito interessante ver a força que a Voz do Brasil ainda tem”.

Apesar de todas as mudanças já ocorridas no programa, o professor Rodney Souza Pereira continua dizendo que “os tempos mudaram, que tem que ter maior flexibilidade quanto ao horário e ao tempo de audiência”. Elias Santos concorda que a obrigatoriedade de transmissão do programa em todas as emissoras do Brasil no atual horário “é uma coisa arcaica”, porém conclui que, “não porque venha da ditadura, mas sim de uma sociedade diferente, de uma lógica segundo a qual as pessoas param de trabalhar às 19h. Hoje, isso não é mais verdade. Hoje tem pessoas que trabalham à noite ou que estudam à noite”.

Quem financia é o dinheiro público

Uma das pessoas que mais influenciaram nas últimas mudanças do programa A Voz do Brasil foi Eugênio Bucci, ex-presidente da Radiobrás. Em uma entrevista publicada na revista “A Rede” (cfr. http://www.arede.inf.br/inclusao/edicoes-anteriores/48-2009-06-15-06-05-23/173) o professor comenta que “se uma manifestação pública acontece em Brasília, protestando contra a reforma da Previdência, por exemplo, e isso tem impacto sobre as decisões que o governo está tomando, é um fato que, obrigatoriamente, precisa ser noticiado na Voz do Brasil”.

Em outro trecho da entrevista Bucci comenta: “O espantoso é notícias como essa serem omitidas, como se fosse um fato que nunca ocorreu. Quando se omite um fato relevante desse tipo, o ouvinte, que só se informa pela Voz do Brasil, terá sido agredido no seu direito à informação”.

Quem financia o programa vai querer falar contra ele mesmo? Eugênio Bucci responde que o programa “depende financeiramente do dinheiro público. O dinheiro não é do governo. O brasileiro precisa de informação de qualidade sobre governo, Estado e vida nacional. Muitas áreas do Brasil dependem, exclusivamente, da informação produzida pela Radiobrás”.