sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Deus com cara de Neandertal

Muitas vezes, tenho escutado comentários, muito humanos eles, e por isso compreensíveis, sobre como compreender o versículo 26 do 1o capítulo do livro do Gênesis, onde na narrativa da criação se lê que Deus diz: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança.”. Alguns, até mesmo, tentam colocar esta narrativa como polêmica para aceitar a teoria da evolução, pois pensam que se o homem tivesse chegado a ser homem com um aspecto físico diverso do atual, não saberiam compreender esta semelhança de Deus.

Para muitos de nós, incluindo eu, na nossa imaginação por muito tempo ficou a imagem de Deus como um velhinho com barba branca e longa, com um rosto de aparência grave e ao mesmo tempo bondosa; e ainda que o chamemos de “Pai”, podemos lembrarmo-nos dele mais como avô. É compreensível, que em algum momento tenhamos esta imagem, ao final, somos humanos e todos os nossos conhecimentos de alguma forma acontecem através dos cinco sentidos (visão, olfato, audição, paladar e tato), isto é estamos imerso no mundo material e a forma natural de conhecer as coisas é através dele.

Porém, na tradição judaico-cristã, Deus é considerado como espírito, isto é, imaterial. Aí começam nossas dificuldades. Por que? Porque se é imaterial não podemos IMAGINAR, não podemos fazer uma IMAGEM d´Ele. Muitos de nós tendemos a imaginar espírito como fantasmas, mas se fantasmas existissem, ainda assim eles seriam materiais. O que é ser imaterial? É ser o contrário de material, é não ter as propriedades da matéria. E as propriedades da matéria são aquelas que captamos pelos cinco sentidos. A visão percebe a cor então, Deus não tem cor. O olfato percebe o cheiro então, Deus não tem cheiro. A audição percebe o som então, Deus é não faz ruído. O paladar percebe o sabor então, Deus não tem sabor. E o tato percebe a extensão então, Deus não tem extensão. Também além destes cinco sentidos externos, para auxiliar nossa percepção, nós temos sentidos internos que unificam as informações adquiridas pelos sentidos externos e nos permite perceber coisas como tamanho, volume, a distância etc.

Então, por que dizem que o homem é “IMAGEM e semelhança de Deus”? Porque de fato o somos. Porém temos que entender que sempre que vamos falar de realidades espirituais, ou seja imateriais, fazemos analogia. Analogia é quando usamos palavras com significado comum entre nós, para descrever uma realidade que está mais além destas palavras. Fazendo analogia dizemos que Deus anda, que Deus fala, etc... Sem também descartar a possibilidade de que Ele como Deus todo poderoso, pode fazer o uso do poder d’Ele e se manifestar a nós inclusive com características materiais. O dizer que o homem foi criado à imagem de Deus significa que o homem também é espírito, que o homem é capaz de conhecer, de amar e é livre para escolher seus atos. Que o homem é também pessoa, que o homem não é uma coisa para ser usada como objeto, e que sim tem uma dignidade. E não vejo problema para um cristão ou judeu em aceitar a teoria da evolução.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Legislação e Moralidade

Muitas coisas na teoria parecem ser mais simples. Muitos problemas parecem estar resolvidos. No entanto, a realidade, os fatos, o dia a dia, o estudo mais profundo, pode levar-nos a pensar mais. Por que depois de tantos séculos, ou até mesmo milênios de reflexão filosófica sobre uma sociedade melhor ainda não se têm obtido os resultados desejados? Desde os inícios da filosofia se fala de uma natureza humana, se discute sobre comportamentos éticos adequados a esta natureza, sobre como educar os homens para viverem de acordo com esta natureza. Assim está o tema da relação entre a ética e a lei. Aos olhos mais simples parece claro que a lei positiva deve refletir a lei natural, que a lei natural é uma ética universal para todos os homens, que a lei positiva deve servir para que o homem se realize, para que o homem seja feliz.

Mas o que fazer diante de uma sociedade pluralista, onde os indivíduos têm diversas visões da moral, diferentes concepções éticas. Deve-se impor a moral por meio da lei? E moral de quem se deve impor? Em New York, devemos dispensar os alunos das aulas para que possam participar das celebrações da semana santa quando muitos dos estudantes já não são cristãos? Ou já que muitos são hinduístas dever-se-ia lembrar as datas importantes de suas celebrações? Se na França querem proibir o uso de símbolos religiosos em alguns lugares públicos porque estão sentindo-se molestados com alunas mulçumanas que vão à escola com a cabeça coberta com véu, dever-se-ia também proibir os cristãos de usarem o crucifixo no pescoço? Uma vez que na Itália permitimos publicamente colocar imagens católicas em praça pública por termos liberdade religiosa e de expressão, está bem que alguns coloquem cartazes dizendo que Deus não existe em lugares públicos? Pode-se permitir que pessoas do mesmo sexo contraiam matrimonio e adotem filhos? Por que não, se na consciência deles está moralmente bem e não “ferem” ninguém com este comportamento. Por que se deve lhes impor outra moral? Por que alguma moral é melhor? Por que alguém teria direito a impor a sua moral? Está bem permitir que em nome da liberdade de expressão que um indivíduo se manifeste publicamente oralmente e por escrito sobre seu desacordo da forma do atuar moral de outro? Este outro não poderia recorrer à justiça por danos morais ou por difamação? Aplicando isso de forma mais concreta, um líder religioso cristão não poderia manifestar seu desacordo pelo comportamento homossexual de alguns? Ou um líder religioso mulçumano manifestar seu desacordo pelo tipo de vida pública que as mulheres estão alcançando na sociedade?

O que fazer num estado democrático onde em um plebiscito, a legalização do aborto, da droga, da eutanásia, da prostituição, etc. ganharia? Já que a maioria quer. Ao final das contas, se trata ou não de sociedade democrática? E neste caso, o que fazer com a minoria? E se não tratasse de democracia, mas de uma monarquia católica num utópico estado, onde todos os indivíduos são católicos, estaria bem o estado fazer que os cidadãos vivam de forma pobre para alcançarem maior santidade como Scalia, membro da Corte Suprema dos EUA, ironizava num discurso feito na Universidade Gregoriana em Roma?

Então, o problema está em como articular a lei positiva e a moralidade. Se for possível alguma relação, quais seriam os limites desta relação?
Sociedade composta por indivíduos

Como principio geral, independente de estar numa sociedade pluralista, penso que se deve respeitar a dignidade da pessoa humana. Pessoa que é um indivíduo que faz experiência intransferível que tem a sua própria consciência que lhe mostra os valores e liberdade para abraçá-los. Desenvolvendo este principio se compreende que seria contra a dignidade deste indivíduo fazê-lo atuar contra a sua consciência.

No entanto, como nenhuma pessoa está só, mas sempre em sociedade, e é na sociedade onde se realiza formando a própria consciência e onde exerce a sua liberdade. Na sociedade cada indivíduo está em relação como outros indivíduo-pessoas que também possui a mesma dignidade. A relação entre pessoas que tem seu momento na sociedade é o principal fator que colabora para o progresso de cada indivíduo a sua realização. Nela as experiências são compartilhadas, uns aprendem dos outros e uns ajudam os outros. Nenhum indivíduo-pessoa tem a possibilidade de por si mesmo esgotar as experiências possíveis à espécie humana, pois todo indivíduo-pessoa é limitado a várias condições como tempo, espaço e até mesmo habilidades e disposições que variam de indivíduo para indivíduo. A sociedade é o palco da história humana e do seu progresso. No ato transeunte de um individuo a outro indivíduo como o ajudar e o educar cada indivíduo, de certa forma, descobre a sua semelhança no outro e percebe que saindo de si mesmo, sem deixar de ser si mesmo, se realiza a si mesmo, ele descobre que é capaz de ser mais do que como se fosse só para si mesmo, o indivíduo-pessoa é capaz de ser para outro. Assim ele descobre que tem não só direitos (o que pode fazer), mas também deveres.

Assim a sociedade se formou naturalmente, existindo desde quando existem pessoas e sendo sempre sociedade de indivíduos-pessoas. E começou a ser organizada tornando cada vez mais explícito os direitos e os deveres, estes devendo ser aperfeiçoados na medida em que a sociedade vai os percebendo com maior clareza, e sendo corrompidos na medida em que a sociedade ofusca sua visão sobre eles. Uma sociedade menor pode alcançar de forma mais rápida uma maior clareza sobre a sua visão de direitos e deveres, já que existem experiências deste fato quanto existem de pessoas e quanto maior o número de pessoas maior a possibilidade de divergências. Contudo quanto maior o número de pessoas que consigam concordar suas visões dos direitos e deveres, maiores e mais meritórios foram os resultados, maior foi o progresso e maior possibilidade de estarem mais próximos da verdade. Por isso defendo a possibilidade de um código de direito internacional.

Aplicando os direitos e deveres nas circunstancias particulares, para respeitar a dignidade de cada um deve-se sempre buscar a conservação da sociedade e o respeito da dignidade dos indivíduos. Assim que para manter a sociedade deve-se buscar manter o vínculo entre os indivíduos respeitando a sua liberdade e a sua consciência. Assim não está bem estabelecer leis (que é a oficialização perante a sociedade dos seus direitos e deveres) que a maioria dos indivíduos não estão em disposições de cumpri-las, assim como não se poderia deixar de garantir o vínculo da sociedade e o respeito pela dignidade dos indivíduos com também o estabelecimento de leis.

Deve-se respeitar a liberdade do indivíduo em querer ou não fazer parte de uma determinada sociedade. Assim que uma lei que provocasse que a sociedade se dissolvesse não deveria ser estabelecida, como também não deveria ser estabelecida aquela lei que ainda que a sociedade se conservasse, os indivíduos não estariam sendo respeitados em sua dignidade. Assim a fonte de onde deve emanar a lei é o acordo dos indivíduos da sociedade, que juntos buscam a realização uns dos outros. A qual sendo assim, naturalmente estaria procedendo das concepções que os indivíduos têm do bem e por conseqüência da moral. A emanação da lei no acordo entre os indivíduos pode suceder de várias formas. Pode acontecer numa democracia, onde todos os indivíduos participam das decisões sobre toda a sociedade como manifestação do acordo comum, pode acontecer numa monarquia onde também todos os indivíduos devido a sua cultura estão de acordo com que o monarca proclame as leis. Da mesma forma que em determinados momentos culturais a jovem permite que os pais decidam sobre o seu matrimonio e não por isso contesta se o matrimonio foi lícito ou não e assim mesmo está contente.

No entanto as leis proclamadas nunca são definitivas absolutamente, já que a sociedade na história e em diversos lugares pode em algum momento estar vendo com maior ou menor clareza seus direitos e deveres e por isso a lei deve estar conforme esta visão. A natureza não falha aos indivíduos, mas sim são os indivíduos que falham à natureza, por isso a natureza de algum modo sempre conduzirá os indivíduos a clarificar sua visão dos direitos e deveres. Não obstante, é dever de cada indivíduo expor e lutar por defender sua visão com suas razões para o bem de toda a sociedade e o bem individual, para evitar que se ofusca a visão de bem da sociedade. Este é o objetivo do diálogo, pois um indivíduo honestamente expondo sua visão com suas razões em confronto com outro que também o faz honestamente tende a prevalecer a que faz mais sentido, pois a razão menos inrazoável cederia a mais razoável. Em caso de dúvida pode-se recorrer ao debate público para que outros indivíduos ajudem a clarificar a visão de um e do outro indivíduo. O diálogo e o debate levam a sociedade a tomar maior consciência e analisar as próprias leis e averiguar a conveniência de modificá-las. Aqui se verifica que às vezes se devem tolerar atitudes e comportamentos que ainda que não sejam aprovados por uma parte dos indivíduos nem todos tem a mesma disposição para vivê-los. Mas o limite desta tolerância é a maioria, não obrigando o indivíduo atuar contra a sua própria consciência, mas não permitindo que cometa atos contra a consciência geral. Por exemplo, um indivíduo não está obrigado a praticar determinada religião e por isso não está obrigado a freqüentar os templos de determinada religião, ou contrair matrimônio nos parâmetros daquela religião, mas tampouco pode cometer atos que não permita que os outros indivíduos pratiquem aquela determinada religião, como o fazendo trabalhar nos momentos que os outros estão reunidos no templo, ou contrair matrimonio em forma que agride os membros da religião da maioria ou ainda cometer certos atos que pode influenciar negativamente outros indivíduos na vivencia de dita religião, caso a maioria quis que a lei assim o contemplasse. Não é a maioria que define a conveniência da lei, mas na maioria se encontra um campo mais rico de experiências dos diferentes indivíduos que compartilhadas leva a uma visão mais clara dos direitos e deveres. O indivíduo pode vir a sofrer a opressão da maioria da sociedade caso não consiga expor suas razões de forma convincente à maioria da sociedade. Neste caso ou ele se exila da sociedade ou aceita a maioria. Nem toda moral está proclamada pela lei, mas as proclamações da lei sempre são morais. A moral é universal e a lei particular.

Algumas aplicações

Na sociedade pluralista e relativista atual nos corresponde formar a opinião da maioria. O positivismo sem referimento a moral se vê que pouco a pouco vai se desabando. Episódios como o do julgamento de Nuremberg em que viram a necessidade de condenar colaboradores de Hitler com critérios superiores ao da lei positiva vigente, o que foi então chamado crimes contra a humanidade é um bom sinal. Vejo nisso um sinal que a humanidade ainda que se afaste da moral natural, a natureza não muda e a razão não pode afastar-se dela definitivamente. Também se vê pelo mesmo motivo que lei positiva não justifica o agir humano, somente por ser positiva. A única lei que justifica o agir do homem é a lei natural. Um médico que pratica o aborto nunca poderá justificar-se por agir sob a lei positiva, pois estão cometendo crimes contra a humanidade.

Ainda que a lei não justifique o agir moral, ela o incentiva ou o corrompe. Também se deve considerar a inconveniência de sustentar leis contra as disposições dos indivíduos com penalizações, neste caso não se pode esquecer que a lei também educa transmitindo certa concepção moral aos indivíduos e que ainda que algum princípio não venha a ser enforcado com penalizações, não significa que a lei não possa estar enunciada na lei. Esta não é a melhor situação, mas pelo menos deixa claro alguns princípios que mais tarde pode ajudar para outras elaborações jurídicas, ou para simplesmente não permitir muitos equívocos na interpretação da moral. Por exemplo, no Brasil o aborto é sempre considerado crime, mas despenalizado em alguns casos. A despenalizaçao não se entende como legalização. A despenalização significa reconhecer as limitações dos homens em agir virtuosamente em algumas ocasiões, mas que ainda assim não estão agindo corretamente. A legalização já tem uma conotação de aprovação moral de algumas ações. Acho que isso é uma boa idéia para os políticos que correspondem votar para a aprovação de leis. Talvez assim estivessem evitando certo mal maior e não se distanciando da moral que acredita. Isso não significa que, nesta matéria, uma lei mais restritiva possa considerar-se uma lei justa ou, pelo menos, aceitável; trata-se, pelo contrário, da tentativa legítima e obrigatória de proceder à revogação, pelo menos parcial, de uma lei injusta, quando a revogação total não é por enquanto possível”.

Na sociedade democrática não nos cabe alternativa fora dos mecanismos democráticos. E estou de acordo com Scalia que disse que nos cabe exercer influencia na opinião pública. Se algum momento não vivemos em sociedade democrática, teremos que elaborar alternativas para zelar pela aplicação da lei natural. Por isso a importância de nunca se esquecer da educação e do cuidado da juventude.